terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Desconsideração de pessoa jurídica com base no Código Civil exige prova de abuso
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que reúne as duas turmas de julgamento especializadas em direito privado – superou a divergência que havia na corte a respeito dos requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica e definiu que esse instituto, quando sua aplicação decorre do artigo 50 do Código Civil, exige a comprovação de desvio de finalidade da empresa ou confusão patrimonial entre sociedade e sócios.Para o colegiado, o simples encerramento irregular das atividades – quando a empresa é fechada sem baixa na Junta Comercial ou deixando dívidas na praça – não é suficiente para autorizar a desconsideração e o redirecionamento da execução contra o patrimônio pessoal dos sócios.
A decisão foi tomada no julgamento de embargos de divergência opostos pela Comércio de Carnes Vale Verde Ltda. e seus sócios contra acórdão da Terceira Turma do STJ que determinou a desconsideração da personalidade jurídica da empresa em execução movida pela massa falida do Frigorífico Rost S⁄A.
De acordo com a relatora do caso na Segunda Seção, ministra Isabel Gallotti, a desconsideração só é admissível em situações especiais, quando verificado o abuso da pessoa jurídica, seja por excesso de mandato, desvio de finalidade da empresa ou confusão patrimonial entre a sociedade e os sócios.
Sem má-fé
No curso da execução, foi requerida a despersonalização da empresa devedora para que os sócios respondessem pelas dívidas com seus bens particulares. O juiz determinou a medida, tendo em vista que a devedora havia encerrado suas atividades de forma irregular. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), porém, reverteu a decisão.
Para o TJSC, "o fato de a sociedade empresária ter encerrado suas atividades de forma irregular não é, por si só, indicativo de que tenha havido fraude ou má-fé na condução dos negócios". A ausência de bens suficientes para a satisfação das dívidas, segundo o tribunal estadual, poderia ser motivo para a falência, mas não para a desconsideração da personalidade jurídica.
A credora recorreu ao STJ, onde o relator, ministro Massami Uyeda (hoje aposentado), restabeleceu a decisão de primeiro grau ao fundamento de que a dissolução irregular é motivo bastante para a desconsideração (REsp 1.306.553). O entendimento do ministro, amparado em precedentes, foi confirmado pela Terceira Turma.
Requisitos necessários
No entanto, a questão não era pacífica no STJ. No julgamento do REsp 1.098.712, de relatoria do ministro Aldir Passarinho Junior (também aposentado), a Quarta Turma decidiu que, embora não seja necessária ação autônoma para a desconsideração, seu deferimento exige “a constatação de desvio da finalidade empresarial ou confusão patrimonial entre a sociedade e seus sócios”.
Naquele julgamento, os ministros da Quarta Turma reformaram a decisão que havia desconsiderado a personalidade jurídica da empresa devedora, entendendo que o tribunal estadual – no caso, o do Rio Grande do Sul – não avançara no exame dos requisitos necessários à medida, mas apenas apontara a ocorrência de dissolução irregular.
Com base nesse acórdão da Quarta Turma, a Comércio de Carnes Vale Verde Ltda. e seus sócios entraram com os embargos de divergência para que a Segunda Seção resolvesse a controvérsia.
Regra de exceção
Em seu voto, a ministra Isabel Gallotti afirmou que a criação teórica da pessoa jurídica serviu para o desenvolvimento da atividade econômica ao permitir que o risco do empreendedor ficasse limitado ao patrimônio destacado para esse fim.
Segundo ela, abusos no uso da empresa justificaram, em lenta evolução jurisprudencial, posteriormente incorporada ao direito positivo brasileiro, a tipificação de hipóteses em que se autoriza o afastamento da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de sócios que dela se prevaleceram dolosamente para finalidades ilícitas.
“Tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com o artigo 50 do Código Civil é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial”, disse a relatora.
Microssistemas
Isabel Gallotti destacou que a desconsideração da personalidade jurídica está prevista não apenas no artigo 50 do Código Civil de 2002, mas também no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, no artigo 34 da Lei 12.529/11 (que organizou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) e no artigo 4º da Lei 9.605/98 (que trata das sanções em caso de agressão ao meio ambiente). Também o Código Tributário Nacional, apontou a ministra, admite que a dívida fiscal da empresa seja cobrada diretamente dos sócios (artigo 134, VII).
Segundo a relatora, cada uma dessas leis estabelece requisitos específicos para que a cobrança possa ser redirecionada contra o patrimônio pessoal dos sócios, razão pela qual os pressupostos da desconsideração devem ser analisados à luz do microssistema jurídico-legislativo aplicável a cada caso.
No campo tributário, por exemplo, a Súmula 435 do STJ dispõe que “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio gerente”.
Teoria maior
“Há, portanto, hipóteses em que os requisitos exigidos para a aplicação do instituto serão distintos, mais ou menos amplos, mais ou menos restritos, mais ou menos específicos”, disse a ministra. Quanto à execução movida pela massa falida do Frigorífico Rost, Gallotti observou que se baseia em cheques emitidos pela devedora, sem haver relação de consumo ou qualquer outra que não seja regida apenas pelo Código Civil.
De acordo com a relatora, o STJ já fixou em vários precedentes o entendimento de que a teoria da desconsideração adotada pelo Código Civil foi a chamada “teoria maior”, que exige a presença de dolo das pessoas que usam a personalidade jurídica da empresa para acobertar atos ilícitos prejudiciais aos credores. “É a intenção ilícita e fraudulenta, portanto, que autoriza, nos termos da teoria adotada pelo Código Civil, a aplicação do instituto”, disse.
“Não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial”, concluiu a ministra.
Leia aqui a íntegra do voto da relatora.

Fonte: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/sala_de_noticias/noticias/Destaques/
Desconsidera%C3%A7%C3%A3o-de-pessoa-jur%C3%ADdica-com-base-no-C%C3%B3digo-Civil-exige-prova-de-abuso

terça-feira, 29 de março de 2011

Você tem Direito!!! Multa contratual por atraso na entrega do seu imóvel novo

Nos últimos tempos, a ascensão do mercado econômico e a valorização imobiliária verificada nas grandes e médias cidades fizeram com que as construtoras investissem pesado no lançamento de novos empreendimentos. 

Todavia, o volume de empreendimentos lançados no mercado não foi acompanhado pela disponibilidade de mão-de-obra, escassa, e por outros fatores envolvendo até mesmo o fornecimento do material necessário à construção. Isto, por si só, não é capaz de afastar a responsabilidade das construtoras que assumem o risco da atividade empresária.

Desta forma é que várias construções com prazo para término estipulado em contrato não foram ou não estão sendo entregues a tempo e modo como pactuado no contrato de compra e venda, atrasando meses e deixando o consumidor, então comprador da unidade imobiliária, na incerteza de quando receberá e tomará posse de seu imóvel.

O que pouco se sabe é que na maioria dos contratos firmados com as diversas construtoras atuantes no mercado, sobretudo aquelas que atendem a classe C e D, existem cláusulas penais estipulando multa contratual por atraso na entrega da obra, cada qual com seu parâmetro de fixação da indenização reparatória.

Fato é que o consumidor faz jus a esse direito, e o seu exercício, além do cunho reparador, possui ainda um nítido caráter de justiça social na medida em que incute nas empresas o dever de observar e cumprir com suas obrigações em respeito ao consumidor.

Para mais detalhes, consulte-nos a respeito.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

JUIZADO ESPECIAL ESTADUAL DA FAZENDA PÚBLICA - Breves Considerações – Lei nº 12.153 de 22 de dezembro de 2009




Com o advento da Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte atento às necessidades da população na busca pela prestação de uma jurisdição mais célere e efetiva pelo Estado, através do Poder Judiciário, previu a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislarem concorrentemente acerca da criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas.

Assim é que foram editadas a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 e a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, para dispor sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito estadual e federal respectivamente.

Salienta-se que de forma a atingir os objetivos do legislador constituinte, as referidas Leis previram a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade, como princípios norteadores do procedimento dos Juizados Especiais, visando sempre a conciliação no âmbito cível ou a transação no âmbito penal.

No âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, a Lei nº 9.099/95 prevê a competência do Juizado Especial Cível para a conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: 1) as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; 2) as de arrendamento rural e de parceria agrícola; 3) as de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; 4) as de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; 5) as de ressarcimento por danos causados em acidentes de veículo de via terrestre; 6) as de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvado os casos de processo de execução; 7) as de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; 8) ação de despejo para uso próprio; 9) ações possessória sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta vezes o salário mínimo.

Aos 23 de dezembro de 2009 foi publicada a Lei nº 12.153, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, prevendo em seu artigo 28 o prazo de seis meses contados a partir de sua publicação para que a Lei entrasse em vigor.

Desta forma é que a partir do dia 23 de junho de 2010 os Juizados Especiais Estaduais foram investidos de competência para os feitos da Fazenda Pública nos termos do artigo 2º da Lei nº 12.153/2009, que assim dispõe:


"Art. 2o É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.

§ 1o Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:

I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;
II – as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;
III – as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.

§ 2o Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor referido no caput deste artigo.

§ 3o (VETADO)

§ 4o No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta."


Observando o caput do artigo 2º acima transcrito, percebe-se que o legislador previu a competência dos Juizados Especiais para julgarem os feitos da Fazenda Pública cujo o valor da causa seja de até sessenta salários mínimos, prevalecendo para estes casos a especialidade da norma em face do valor da causa máximo previsto na Lei nº 9.099/95 (40 salários mínimos).

A título exemplificativo, a Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, de forma a regulamentar quais seriam as causas de interesse do Estado e Municípios mineiros sujeitos aos Juizados Especiais, previu por meio da Resolução nº 641/2010, especificamente no caput do seu artigo 1º, que “todos os Juízos e Varas, em suas respectivas Comarcas, atualmente investidas de competência para os feitos da Fazenda Pública, passarão a processar, conciliar, julgar e executar causas cíveis de interesse do Estado e dos Municípios, de valor não excedente a vinte salários mínimos, relativas às seguintes matérias: I - multas e outras penalidades decorrentes de infrações de trânsito; II - transferência de propriedade de veículos automotores terrestres; III - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN); IV - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias (ICMS); V - fornecimento de medicamentos e outros insumos de interesse para a saúde humana, excluídos cirurgias e transporte de pacientes.”

Quanto aos pedidos liminares, seja de natureza antecipatória, seja de natureza cautelar, a Lei nº 12.153/2009 em seu artigo 3º inovou permitindo ao órgão julgador deferi-los de ofício, ou a requerimento das partes, determinando providências para se evitar dano de difícil ou incerta reparação.

Em decorrência de tal inovação o artigo 4º da Lei nº 12.153/2009, contrariando a sistemática procedimental da Lei nº 9.099/95, ao prever que excetuado os casos do artigo 3º, é cabível recurso somente contra sentença, possibilitou a interposição de recurso contra a decisão que defere ou indefere pedidos de natureza antecipatória ou cautelar no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Logo, considerando a regra geral de processo civil, e sendo as referidas decisões de caráter interlocutório, tem-se que o recurso cabível seria o agravo na sua modalidade de instrumento, haja vista o requisito de dano de difícil ou incerta reparação previsto no artigo 3º, coadunando-se com os requisitos do artigo 522 do Código de Processo Civil. E em observância à sistemática recursal dos Juizados Especiais, tal recurso deverá ser distribuído perante a Turma Recursal respectiva, devendo o agravante informar a interposição do recurso nos autos do processo originário (artigo 526, CPC), permitindo ao Juízo a reforma de sua decisão (artigo 529, CPC).

Neste sentido, o 1º Encontro de Juízes de Turmas Recursais do Estado de Minas Gerais, realizado em 30/09 e 01/10/2011, aprovou os seguintes enunciados:
Enunciado nº 01 – O recurso cabível contra as decisões liminares do Juizado Especial da Fazenda Pública é o agravo de instrumento (APROVADO POR MAIORIA).

Enunciado nº 02 – O recurso de agravo não se aplica às decisões proferidas nos procedimentos da Lei nº 9.099, de 1995, salvo contra decisões liminares dos Juizados Especiais da Fazenda Pública (APROVADO POR UNANIMIDADE).

Quanto às citações e intimações, observa-se que a Lei nº 12.153/2009, vai de encontro com a Lei nº 9.099/95, posto que prevê a aplicação do disposto no Código de Processo Civil.

Outra inovação, divergindo até mesmo do Código de Processo Civil, em observância ao princípio da isonomia processual, tão debatido no mundo jurídico no que se refere aos privilégios dos prazos para a prática dos atos processuais pela Fazenda Pública (artigo 188, CPC), o artigo 7º prevê expressamente que “não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos”.

E a respeito das peculiaridades processuais que envolvem os entes públicos em juízo, cumpre destacar também a regra do artigo 11 que expressamente prevê que não haverá reexame necessário nas causas de que trata a Lei nº 12.153/2009, o que significa que da sentença proferida pelo órgão julgador do Juizado Especial em que saia sucumbente a Fazenda Pública, esta deverá necessariamente apresentar recurso inominado caso seja do seu interesse.

Por disposição expressa da Lei, o órgão julgador deverá sempre comunicar a autoridade citada cumprimento do acordo ou da sentença, seja por meio de ofício nos casos de cumprimento de obrigação de fazer, não-fazer ou entrega de coisa certa, e por meio de requisição, nos casos de obrigação de pagar quantia certa, sempre após o trânsito em julgado da decisão homologatória ou condenatória.

O artigo 16 da Lei nº 12.153/2009 em atendimento ao princípio da concentração dos atos e em consonância com os princípios da informalidade, economia processual e celeridade previstos na Lei nº 9.099/95, inovou ao prever a possibilidade do conciliador, sob a supervisão de um juiz e para fins de encaminhamento da composição amigável, ouvir não só as partes, mas também as testemunhas sobre os contornos fáticos da controvérsia.

Entende-se que diante desta previsão legal, é plausível que as partes compareçam ao Juizado Especial Estadual da Fazenda Pública acompanhadas das respectivas testemunhas caso seja necessário, posto que tal possibilidade permitirá que o juiz da causa converta a audiência de conciliação em instrução e julgamento, dando maior celeridade ao trâmite do procedimento.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

LEGITIMIDADE DOS SÓCIOS NA EXECUÇÃO FISCAL


Rosemberg Chaefer Nascimento Silva


SUMÁRIO: 1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES; 2. SISTEMA TRIBUTÁRIO CONSTITUCIONAL; 2.1. Princípio da Capacidade Contributiva; 2.2. Lei Complementar como Agente Normativo Ordenador do Sistema Tributário Constitucional; 3. RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL; 4. LEGITIMAÇÃO DO SÓCIO PARA A EXECUÇÃO FISCAL; 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES

A relação jurídico-tributária surge da ocorrência da hipótese de incidência prevista em lei, que faz nascer a obrigação tributária. É dizer que a ocorrência do fato jurídico tributário previsto na norma tributária é o que exige o pagamento do tributo correspondente, previamente exigido por meio do lançamento, constituindo-se assim o crédito tributário.
Uma vez existente a obrigação tributária, deve-se apontar quem tem a competência para exigir o seu cumprimento e quem está obrigado a cumpri-la, efetuando o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, isto é, são os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, definidos nos artigos 119 e 121 do Código Tributário Nacional.
O presente trabalho tem por objetivo analisar a legitimidade passiva dos sócios nos processos de execução fiscal em que se cobra dívida pertencente originariamente à sociedade.
O tema ganha relevância a partir das decisões proferidas pelo judiciário brasileiro que, considerando a presunção de liquidez e certeza da dívida ativa representada pela Certidão de Dívida Ativa, tem considerado legítima a inclusão no feito executivo dos sócios cujos nomes constem da referida certidão, sem ao menos considerar a forma como são inscritos o nome dos sócios na Certidão de Dívida Ativa. Outro exemplo são as decisões que, fundamentadas na norma do art. 13 da Lei n.º 8.620, de 05 de janeiro de 1993, consideram que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente pelos débitos junto à Seguridade Social, deferindo a inclusão dos mesmos no pólo passivo da demanda, pelo que passam a responder com o próprio patrimônio.
Outro ponto que enobrece o presente trabalho é o fato de o tema envolver um “emaranhado” de normas, ambas regulando a responsabilidade pelo pagamento de débitos tributários por pessoas que não estão ligadas ao fato jurídico tributário, mas que a ele estão vinculadas de alguma forma, causando dificuldade na interpretação e aplicação do instituto da responsabilidade tributária. (CHIESA, 2003, p. 219).
Dessa forma, em meio a insegurança que permeia a atividade jurídica quanto ao tema proposto, torna-se importante a reflexão a seu respeito, principalmente sob a ótica processual, de modo a determinar a legitimidade ou não dos sócios a figurarem no pólo passivo da execução fiscal.
Para tanto, e considerando o “emaranhado” de normas voltadas a regular a responsabilidade tributária pelo pagamento do crédito tributário, o presente trabalho fará uma análise sistemática das normas, partindo-se da Constituição Federal, considerando o processo legislativo no que diz respeito à lei complementar, passando pelas normas infraconstitucionais, para ao final concluir sobre a legitimidade ou ilegitimidade passiva dos sócios e dos administradores no procedimento de execução fiscal.

2. SISTEMA TRIBUTÁRIO CONSTITUCIONAL

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, destaca-se no cenário mundial, dentre as Constituições e Cartas Políticas dos outros Estados, por prever princípios e regras atinentes ao Direito Tributário, tratando de forma extensa e minuciosa acerca da tributação.
Logo, os fundamentos do Direito Tributário Nacional encontram-se arraigados na Constituição Federal, iluminando as ordens jurídicas dos demais entes da federação, a saber, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, que devem ser interpretadas em conformidade com os ditames constitucionais.

2.1. Princípio da Capacidade Contributiva

A Constituição Federal, ao tratar dos princípios gerais do sistema tributário nacional, definiu o princípio da capacidade contributiva, ou da capacidade econômica em seu art. 145, § 1º, ao prever que os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.
Segundo a definição constitucional, o princípio da capacidade contributiva tem por objetivo garantir que somente serão tributados aqueles fatos com conotação econômica, proporcionalmente à condição contributiva do contribuinte. Dessa forma, “não se pode admitir a tributação daquele que não revela a capacidade contributiva naquela situação em que se pretende imputar a obrigação tributária” (COSTA, 2005, p. 84).
Cabe afirmar que o princípio da capacidade contributiva, enquanto fundamento constitucional deve orientar tanto o legislador na elaboração de leis fiscais, quanto o juiz, ao qual cumpre verificar a conformidade da lei em relação ao princípio, e se a incidência da lei relativamente a determinado contribuinte está ferindo a capacidade contributiva deste.
Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva sobrepõe-se aos interesses legislativos infraconstitucionais, para garantir a supremacia do contribuinte, seja ele pessoa física ou jurídica, em face do poder de tributar do Estado, subordinando o Poder Legislativo e atribuindo ao Poder Judiciário o dever de controlar a sua efetivação enquanto órgão competente para realizar o controle da constitucionalidade das leis e da legalidade dos atos administrativos.
A idéia de capacidade contributiva, embora a norma constitucional refira-se à espécie tributária dos impostos, não deve limitar-se a natureza jurídica das espécies tributárias. Conforme ensina Sacha Calmon Navarro Coêlho, é errado supor que, sendo a taxa um tributo que tem por fato jurígeno uma atuação do Estado, a ela não se aplicaria a capacidade contributiva. Assevera ainda que “a atuação do Estado é importante para dimensionar a prestação, nunca para excluir a consideração da capacidade de pagar a prestação, atributo do sujeito passivo e não do fato jurígeno” (COÊLHO, 2004, P. 86).
Portanto, filia-se ao entendimento de que o princípio constitucional da capacidade contributiva estende-se a todas as obrigações tributárias, independente da espécie tributária que a exija, e não somente aos impostos.

2.2. Lei Complementar como Agente Normativo Ordenador do Sistema Tributário Constitucional

Ainda quanto aos princípios gerais do sistema tributário nacional, a Constituição Federal dispõe no seu art. 146, inciso III, que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.
Evidencia-se que a utilização da lei complementar não é faculdade posta ao legislador, mas sim predeterminada pela norma constitucional, que prevê expressamente as matérias a serem tratadas por meio de lei complementar.
Considerando o processo legislativo constitucional compreendido no rol de normas previsto no art. 59 e seus incisos, oportuno fazer breves considerações acerca da distinção entre lei complementar e lei ordinária. Embora ambas sejam leis federais emitidas pelo mesmo órgão legislativo, o da União, e possuam o mesmo âmbito de validade espacial , diferenciam-se quanto à forma e o conteúdo.
Quanto à forma, o quorum necessário para a aprovação da lei ordinária é o quorum simples, isto é, a maioria dos parlamentares presentes. Já para a aprovação da lei complementar exige-se quorum equivalente a maioria absoluta, isto é, quorum de metade mais um dos membros do Congresso Nacional. A respeito do requisito formal para aprovação da lei complementar, José Souto Maior Borges afirma que:

A exigência da maioria absoluta do Congresso para a aprovação das leis complementares tem um significado normativo implícito que uma análise mais refinada logo revela. Com efeito, essa exigência de maioria absoluta não é ditada por mero arbítrio do legislador constituinte, simples capricho seu, totalmente discricionária na sua formulação. É reversamente um fator de maior adensamento em legitimidade do ato legislativo. Requisito exigível para a votação e aprovação de matérias versadas em lei complementar, porque o constituinte as considerou superlativamente relevantes. A avaliação é exclusiva do constituinte, mas a motivação do ato constituinte – regime constitucional procedimental da lei complementar – é, sob esse prisma, clara. E está, nesse tópico, nitidamente vinculada à matéria versada em lei complementar. (BORGES, 2008, p. 116/117).

Em relação ao conteúdo, enquanto que a lei ordinária trata de matérias de interesse ordinário da União, a lei complementar é instrumento constitucional destinado a complementação e atuação da própria Constituição Federal.
Nesse sentido, Sacha Calmon Navarro Coêlho (2004, p. 103) afirma que o âmbito de validade espacial e o conteúdo da lei complementar, “está sempre ligado ao desenvolvimento e à integração do texto constitucional”. O autor assevera ainda que a “lei complementar na forma e no conteúdo só é contrastável com a Constituição (o teste de constitucionalidade se faz em relação à Superlei) e, por isso, pode apenas adentrar área material que lhe esteja expressamente reservada”. (Coelho, 2004, p. 103).
Como já dito, a Constituição Federal prevê expressamente as matérias reservadas à lei complementar, cuja competência legislativa é do órgão legislativo da União. Dessa forma, a lei complementar não poderá tratar de matéria reservada a lei ordinária estadual ou municipal sob pena de ser considerada inconstitucional por invasão de competência, ocorrendo o fenômeno da rejeição. Caso regule matéria da competência da União reservada à lei ordinária, terá validade de simples lei ordinária, ocorrendo o fenômeno da adaptação, pois quem pode o mais pode o menos. Já a recíproca não é verdadeira, diante até mesmo do requisito formal previsto no art. 69 da Constituição Federal , não podendo a lei ordinária dispor de matéria reservada constitucionalmente à lei complementar.
Acerca da hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, embora não se deseje aprofundar em tamanha discussão eternizada na doutrina, importante citar o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

É de se sustentar, portanto, que a lei complementar é um tertium genus interposto, na hierarquia dos atos normativos, entre a lei ordinária (e os atos que têm a mesma força que esta – a lei delegada e o decreto-lei) e a Constituição (e suas emendas). Não é só, porém, o argumento de autoridade que apóia essa tese; a própria lógica o faz. A lei complementar só pode ser aprovada por maioria qualificada, a maioria absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vontade de uma minoria ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz. Essa maioria é assim um sinal certo da maior ponderação que o constituinte quis ver associada ao seu estabelecimento. Paralelamente, deve-se convir, não quis o constituinte deixar ao sabor de uma decisão ocasional a desconstituição daquilo para cujo estabelecimento exigiu ponderação especial. Aliás, é princípio geral de Direito que, ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma reforma (...) (FERREIRA FILHO, 1995, p. 236-237).

A teor do disposto no art. 146, inciso III da Constituição Federal, a lei complementar sobre normas gerais de Direito Tributário, ora em vigor, é a Lei n.° 5.172, de 25 de outubro de 1966, conhecida como Código Tributário Nacional, conforme o preceito do art. 34, § 5º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura a aplicação da legislação anterior à Constituição, no que não seja incompatível com o sistema tributário nacional instituído pela Constituição Federal de 1988.
Dessa forma, a norma geral deve ser interpretada a partir dos ditames da Constituição Federal, donde se extrairá sua validade no mundo jurídico. Acrescente-se que a norma geral, autorizada pela Constituição Federal, é que fornecerá os critérios para a elaboração material das leis tributárias ordinárias federais, estaduais e municipais. A própria Constituição Federal estabelece que inexistindo lei complementar sobre normas gerais, os Estados exercerão sua competência legislativa plena, para atender suas peculiaridades; bem como estabelece que a superveniência de norma geral, suspende a eficácia da lei ordinária estadual, tudo conforme disposto no seu art. 24, § 3º e § 4º.

3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DE TERCEIROS NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

A responsabilidade tributária de terceiros tem sido tema de bastante divergência na doutrina e na jurisprudência, sobretudo no que diz respeito à figura do responsável tributário no pólo passivo da execução fiscal.
No âmbito infraconstitucional, o Código de Processo Civil ao traçar normas gerais para o procedimento de execução, previu no seu art. 568, inciso V, como sujeito passivo, o responsável tributário, assim definido na legislação própria.
Dessa forma é que o Código Tributário Nacional, recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar destinada a estabelecer normas gerais em matéria tributária, prevê o instituto da responsabilidade tributária em seu Capítulo V, estabelecendo regras gerais nos artigos 128 a 133, e específicas quanto à responsabilidade de terceiros nos artigos 134 e 135.
O art. 128 estabelece regra geral referente à responsabilidade de terceiros pelo crédito tributário devidamente constituído, determinando que a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. A respeito do instituto da responsabilidade tributária de terceiros, Gelson Amaro de Souza afirma que:

Pela simples razão de sua denominação em responsável ou “responsabilidade de terceiro”, já se pode ter a idéia de que não se trata de pessoa ligada ao fato gerador. Há de ser pessoa outra, que não aquela que realizou ou se vinculou ao fato imponível e por isso desvinculada do fato matriz que deu origem à obrigação tributária. (SOUZA, [19 -], p. 68).

Afirma ainda que:

Como se vê não são os responsáveis tributários partícipes da situação geradora da obrigação tributária, a esta não se vinculam, apenas se tornam responsáveis por circunstâncias outras, e para o pagamento de dívida tributária originada por outrem. (SOUZA, [19 -], p. 68).

Com o intuito de constitucionalizar o instituto da responsabilidade tributária de terceiros frente ao princípio constitucional da capacidade contributiva, já abordado, o legislador traçou limites para a responsabilização de terceiros, prevendo as hipóteses possíveis nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional.
Cumpre ressaltar que dentre as diversas modalidades de responsabilidade tributária de terceiros, interessa ao presente trabalho a que se refere à figura dos sócios e dos administradores.
A responsabilidade solidária é tratada pelo Código Tributário Nacional de forma genérica no seu art. 124, incisos, prevendo duas hipóteses. Na hipótese do inciso I, prevê-se a solidariedade das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. Na hipótese do inciso II, prevê-se a solidariedade das pessoas expressamente designadas em lei.
O parágrafo único do art. 124 não pode ser esquecido, vez que traz informação de grande importância. Segundo o dispositivo, a solidariedade prevista no art. 124 não comporta benefício de ordem, isto é, o co-devedor não tem o direito de requerer sejam excutidos em primeiro lugar os bens do devedor principal. O exeqüente, Estado, resta autorizado a propor a execução fiscal em face do devedor mais solvente, conforme lhe convier.
Alguns doutrinários como Gelson Amaro de Souza, diante da hipótese do inciso II do art. 124 – responsabilidade solidária das pessoas expressamente designadas por lei – cita como exemplo os casos do art. 134 do Código Tributário Nacional.
O art. 134 do Código Tributário Nacional estabelece que nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, dentre outros, os sócios, no caso de liquidação de pessoas. Destaca-se que segundo restrição expressa do art. 134, os sócios respondem solidariamente apenas e tão somente no caso de liquidação de pessoas.
Allison Garcia Costa afirma:

A despeito de a previsão contida no caput do art. 134 do CTN falar em solidariedade, as pessoas arroladas em seus incisos respondem subsidiariamente aos contribuintes, ligados diretamente ao fato jurídico tributário. A imposição de responsabilidade pelos débitos tributários aos sócios apenas se dará se observada a dissolução irregular da sociedade de pessoas e se os bens dela não forem suficientes para suportar a dívida. (COSTA, 2005, p. 86).

E adiante conclui que:

É vedado, portanto, ao Fisco, interpor Execução fiscal diretamente contra os sócios, inclusive com a prévia inserção de seus nomes na inscrição de sua dívida ativa, optando-se entre os bens da sociedade e os particulares dos sócios. Deve-se, primeiramente, expropriar os bens da sociedade, para posteriormente excutir os bens pessoais dos sócios, em homenagem ao benefício de ordem que norteia essa situação. (COSTA, 2005, p. 86).

Em princípio o entendimento transcrito acima estaria equivocado em vista do disposto no parágrafo único do art. 124, senão veja. O art. 124, inciso II, prevê a responsabilidade solidária das pessoas expressamente designadas por lei. O art. 134, inciso VII, prevê a responsabilidade solidária dos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Logo, a previsão do art. 134, inciso VII, enquadra-se na exigência de previsão legal do art. 124, inciso II. Por sua vez, o parágrafo único do art. 124 prevê que a solidariedade prevista no art. 124, dentre elas a do inciso II, não comporta benefício de ordem.
Dessa forma, tendo em vista as previsões dos artigos 124 e 134, haveria a responsabilidade solidária, não comportando benefício de ordem, mas exigindo a observância das restrições contidas nos incisos do art. 134, especificamente a restrição do inciso VII que interessa ao presente trabalho por referir-se à figura dos sócios.
Todavia, a solidariedade prevista no art. 124, inciso II do Código Tributário Nacional só terá validade e eficácia quando a lei que a estabelecer for interpretada de acordo com os propósitos da Constituição Federal e do próprio Código Tributário Nacional.
Nesse contexto, a solidariedade há de ser vista como sucessiva e subsidiária, devendo-se primeiro exigir o cumprimento da obrigação pelo contribuinte principal, e somente diante da impossibilidade do cumprimento por parte deste, poder-se-á executar o responsável tributário, considerando as circunstâncias legais de haver esse responsável participado nos atos ou omissões de responsabilidade do devedor principal.
Ao contrário do art. 134 que prevê a responsabilidade solidária, o art. 135 do Código Tributário Nacional prevê a responsabilidade por transferência, determinando que “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”, as pessoas referidas no art. 134; os mandatários, prepostos e empregados; os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
A responsabilidade tributária por transferência prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional exige, como limite à responsabilização de terceiros, a produção de prova do excesso de poderes ou de infração à lei, contrato social ou estatutos, sob pena de indevida atribuição de responsabilidade tributária a quem não tem nenhuma relação com o fato gerador. É dizer que a norma em comento incide apenas mediante a demonstração do ilícito.
Tal ilícito deve ser aquele que efetivamente afronta a ordem jurídica, que supere o mero inadimplemento da obrigação tributária, de forma a ensejar alguma fraude.
Nota-se o caráter projetivo da norma do art. 135, sobretudo em relação à sociedade, na medida que os atos do sócio ou gerente que infrinja a lei ou o contrato social, deixa de ser ato da sociedade para ser ato próprio do administrador da sociedade. Cumpre informar que segundo entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, a ausência de pagamento do tributo não caracteriza infração à lei, por não configurar nenhuma das hipóteses do art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional .
A doutrina aponta o Direito Tributário como uma norma de sobreposição, considerando que as situações jurídicas são criadas, em um primeiro momento, na esfera do direito privado, para após sofrer a incidência das normas de Direito Tributário. A própria norma do art. 110 do Código Tributário Nacional determina a observância pelo Direito Tributário do alcance dos institutos de direito privado.
Nesse sentido, João Francisco Bianco (2004, p. 124) afirma que “o direito tributário, como todo mundo sabe, é aquele direito de sobreposição, é um direito que sobrepõe ao direito privado para dele extrair o conceito e regular os efeitos tributários decorrentes”. Marcus Abraham, afirma que:

Considerando que o objeto de tributação para o direito fiscal é um ato ou fato de natureza e expressão econômica, porém, com efeitos jurídicos, relativos a uma atividade, renda ou patrimônio do contribuinte, independente da forma com que se realize, mister se faz considerar que tal obrigação surge, primeiramente, no campo do Direito Civil, plano jurígeno dos fatos jurídicos. (ABRAHAM, 2008, p. 167).

Consoante as considerações doutrinárias brevemente expostas acima, tem-se a norma do art. 47 do Código Civil que estabelece que “obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”. Interpretando o citado dispositivo, pode-se concluir que todos os atos dos administradores exercidos em função diversa dos poderes que lhes foram conferidos pelos atos constitutivos, imputarão aos sócios administradores a responsabilidade pela respectiva deliberação de natureza irregular, de forma subsidiária ou solidária com a empresa. (ABRAHAM, 2008, p. 169).
Dessa forma, a norma do art. 1.016 do Código Civil atribui responsabilidade solidária ao administrador perante a sociedade e terceiros pelos atos irregulares de gestão cometidos culposamente no desempenho de suas funções. Tal norma, embora se aplique à Sociedade Simples, estende-se à Sociedade Limitada por força do art. 1.053.
Ao tratar das deliberações dos sócios, o Código Civil traz no seu art. 1.080, norma muito semelhante à do art. 135 do Código Tributário Nacional, dispondo que “as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram”.
O que se verifica, também nas normas do Direito Civil, é que a responsabilidade, seja ela inerente ao administrador ou ao sócio-administrador, está sempre restringida às hipóteses previstas expressamente na lei, isto é, decorre sempre de atos que infringem a lei ou os contratos sociais e estatutos, não se dando à norma efeito extensivo a toda e qualquer hipótese, mas somente àquela prevista expressamente.

4. LEGITIMAÇÃO DO SÓCIO PARA A EXECUÇÃO FISCAL

Não obstante as disposições legais acerca da responsabilidade de terceiros, a prática forense demonstra que as execuções fiscais para a cobrança de dívidas tributárias da sociedade têm sido redirecionadas contra a figura dos sócios, principalmente contra os que participam ou participaram da administração.
Esse redirecionamento da execução fiscal contra a figura dos sócios configura transferência da responsabilidade pelo pagamento do crédito regularmente constituído e inscrito na dívida ativa. Fábio Leopoldo de Oliveira dissertando na obra coordenada por Ives Gandra da Silva Martins, Curso de Direito Tributário, volume I, distingue o instituto da transferência da responsabilidade tributária do instituto da substituição tributária nos seguintes termos:

A transferência ocorre quando a obrigação é gerada contra determinada pessoa e, posteriormente, em conseqüência de um novo fato, é transferida para um terceiro vinculado, com o fato gerador ou, eventualmente, com o contribuinte (sujeito passivo indireto). (…) A substituição ocorre quando, por expressa disposição legal, a obrigação se concretiza, desde logo, contra pessoa diversa do contribuinte, mas vinculada com o fato gerador da obrigação (…). Do exposto, pode-se inferir que a distinção entre transferência e a substituição se estabelece por meio do fator temporal. Na sujeição passiva por transferência, a responsabilidade do terceiro surge após a ocorrência do fato gerador e, portanto, depois de identificado o sujeito passivo direto (contribuinte) e da atribuição da responsabilidade a este. Na sujeição passiva por substituição, essa transferência ocorre concomitantemente com a ocorrência do fato gerador. A lei coloca, desde logo, como sujeito passivo uma pessoa diversa do contribuinte. O terceiro, neste caso, veste as roupagens do contribuinte. (OLIVEIRA, 2000, p. 199).

Verifica-se na prática forense que a Fazenda Pública ao executar uma Certidão de Dívida Ativa em face de uma pessoa jurídica, tem fundamentado sua pretensão no art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional justamente para, valendo-se do instituto da transferência da responsabilidade tributária, redirecionar a execução fiscal indiscriminadamente à pessoa dos sócios, principalmente daqueles que participam ou participaram da administração da sociedade. Em se tratando de contribuições sociais, a Fazenda Pública fundamenta-se na norma do art. 13 da Lei n.º 8.620/93, que dispõe que “o titular da firma individual, e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social”.
Para tanto, a Fazenda Pública procede à inclusão do nome dos sócios nas Certidões de Dívida Ativa, para que os mesmos integrem a relação processual, pois a dívida ativa representada na certidão possui presunção relativa de liquidez e certeza, consoante as normas do art. 204 e parágrafo único do Código Tributário Nacional e do art. 3º da Lei n.º 6.830/80. Além do mais, consoante a norma do art. 568, inciso I do Código de Processo Civil, são sujeitos passivos na execução o devedor reconhecido como tal no título executivo, o que autoriza a execução contra aqueles que constem na Certidão.
A inclusão do nome dos sócios nas Certidões de Dívida Ativa pela Fazenda Pública justifica-se por força do disposto no inciso I, § 5º, do art. 2º da Lei n.º 6.830/80 combinado com o art. 202 do Código Tributário Nacional. Tal imposição normativa advém do princípio da legalidade previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal, pelo qual os atos administrativos estão vinculados à disposição de Lei.
Dessa forma, sendo os sócios da pessoa jurídica conhecidos da Fazenda Pública, esta está obrigada por força de Lei a incluí-los na Certidão de Dívida Ativa, para, caso verificado no curso da execução fiscal a ausência de bens da pessoa jurídica, e verificado os requisitos legais, seja a execução fiscal redirecionada à figura dos mesmos.
Insta esclarecer que a inscrição em dívida ativa prescinde de regular processo administrativo, na forma do art. 201 do Código Tributário Nacional, devendo-se assegurar o contraditório e a ampla defesa garantidos expressamente pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LV. Entretanto, instaurado o processo administrativo, este tramita em relação apenas à pessoa jurídica e não aos seus sócios, até porque a titularidade da dívida apurada é da pessoa jurídica.
Portanto, diante da obrigatoriedade prevista no inciso I, § 5º, do art. 2º da Lei n.º 6.830/80 combinado com o art. 202 do Código Tributário Nacional, a Fazenda Pública procede à inscrição do nome dos sócios na Certidão de Dívida Ativa, mesmo após decorrido o processo administrativo de inscrição em dívida ativa. E ao propor em juízo a execução fiscal, a Fazenda Pública acaba por demandar em juízo tanto em face de a pessoa jurídica titular do débito fiscal, quanto em face de seus sócios, fundamentando-se na norma do art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional, para, valendo-se do instituto da transferência da responsabilidade tributária, redirecionar a execução fiscal à pessoa dos sócios.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se por todas as questões expostas acima, que o princípio da capacidade contributiva perpassa por toda a legislação pertinente à responsabilidade tributária de terceiros de modo a elidir a responsabilidade direta dos sócios por meio de restrições que são expressamente previstas nas legislações infraconstitucionais.
Nesse sentido cumpre lembrar que a Constituição Federal em seu art. 146, inciso III prevê que caberá à lei complementar tratar de normas gerais de Direito Tributário. A despeito da previsão constitucional, o art. 34, 5º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias assegurou a aplicação da legislação anterior à Constituição, no que não seja incompatível com o sistema tributário nacional constitucional, recepcionando o atual Código Tributário Nacional, isto é, a Lei n.º 5.172, que é de 25 de outubro de 1966, com status de lei complementar. Dessa forma, a norma do Código Tributário Nacional deve ser interpretada a partir dos ditames da Constituição Federal, donde se extrairá sua validade no mundo jurídico, fornecendo os critérios para a elaboração material das leis tributárias ordinárias federais, estaduais e municipais.
Sem dúvida que a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, como o faz a norma do art. 128 do Código Tributário Nacional, que prevê em seus próprios dispositivos a responsabilidade de terceiros, seja de forma solidária (art. 134), seja por transferência (art. 135), mas de toda forma prevendo expressamente os casos em que se operará a responsabilização de terceiras pessoas, que não aquelas vinculadas diretamente ao fato jurídico tributário e que realmente atenderia ao princípio da capacidade contributiva, ou seja, a pessoa jurídica.
Nesse ínterim, e tendo em vista o tema proposto, pode-se concluir que somente haverá de se falar em responsabilidade tributária dos sócios de forma solidária, estritamente no caso de liquidação de sociedade de pessoas, como previsto no art. 134, inciso VII do Código Tributário Nacional. E por transferência, apenas quando os sócios praticarem atos com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos, como previsto no art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional. Devendo tais circunstâncias serem devidamente comprovadas, sob pena de indevida atribuição de responsabilidade tributária a quem não tenha nenhuma relação com o fato gerador.
Outrossim, há que se considerar que a própria norma do art. 110 do Código Tributário Nacional determina a observância pelo Direito Tributário do alcance dos institutos de direito privado. Verifica-se então nas normas de Direito Civil, que a responsabilidade, seja ela inerente ao administrador ou ao sócio-administrador, está sempre restringida às hipóteses previstas expressamente na lei, isto é, decorre sempre de atos que infringem a lei ou os contratos sociais e estatutos, não se dando à norma efeito extensivo a toda e qualquer hipótese, mas somente àquela prevista expressamente na lei.
Quanto às contribuições para a seguridade social, embora haja discussão acerca da constitucionalidade do art. 13 da Lei n.° 8.620/93, vez que trata de norma geral de direito tributário reservado apenas à lei complementar, consoante o art. 146, inciso III da Constituição Federal, conclui-se que a norma do dispositivo, versada em lei ordinária, somente deve ser aplicada se combinada com a norma do art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, isto é, de forma coerente com a legislação complementar.
De todo modo, contrariando toda a sistemática normativa apresentada, a Fazenda Pública inclui o nome dos sócios da pessoa jurídica, quando conhecido, na Certidão de Dívida Ativa, fundamentando-se na norma do inciso I, § 5º, do art. 2º da Lei n.º 6.830/80, que acaba por ofender o devido processo legal e seus princípios institutivos. Ora, a inscrição em dívida ativa prescinde de regular processo administrativo, que normalmente tramita apenas em relação à pessoa jurídica vinculada diretamente ao fato jurídico tributário. Dessa forma, suprime-se dos sócios o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo de inscrição da dívida ativa, imputando-lhes apenas o ônus de uma execução fundada em título constituído irregularmente desde sua origem, por ofender os princípios institutivos do processo, garantidos constitucionalmente.
Logo, por não haver a participação dos sócios no processo administrativo de inscrição da dívida ativa, aos sócios não se pode estender a presunção de liquidez e certeza da dívida ativa, ainda que incluídos posteriormente na Certidão pela Fazenda Pública.

* Artigo publicado: Direito Processual: Interpretação Constitucional no Estado Democrático de Direito. Coordenador: João Antônio Lima Castro. Belo Horizonte: PUC Minaas, Instituto de Educação Continuada, 2010.